terça-feira, 18 de setembro de 2012

Space Cake



Red Light District, Amsterdam. 22:00 pm


A noite fria parece nâo ser problema para os turistas que circulam pelo mais underground dos bairros da capital holandesa. Ninguém que anda por ali parece ter algum tipo de pudor em caminhar pelas ruas repletas de vitrines onde as putas se expõem, algumas seminuas, outras peladas por completo.  Além do mais, o que move muitos dos que andam ali não é o desejo por alguns momentos de sexo pago, mas sim a curiosidade acerca da mística que envolve o aquele lugar, tão falado mundo afora.  É como se as mulheres que se expõem ali fossem como os animais nas jaulas dos zoológicos. À disposição da curiosidade alheia.
– Putas nas vitrines. Maneiro – comenta alguém em português, em meio àquela balbúrdia de idiomas.
É um cara de cabelos loiros, acompanhado de mais um cara e duas meninas. Ambos na faixa dos vinte e poucos anos.
– Deve ter aquecimento lá dentro, senão elas iam congelar o material de trabalho – responde o amigo.
Trata-se de um grupo de mochileiros, provavelmente. Olham curiosos para as vitrines onde as putas se expõem.
– Porra! Aquela ali chega tá de perna aberta.
– Cês tão examinando tudo. Por que não entram numa casinha dessas? – fala uma das meninas,
– Deixa quieto. A gente não veio aqui pra isso. O objetivo é outro.
– Então vamo achar esse coffe shop logo.
E seguem adiante, parando de quando em quando a admirar as modelos. Baixas e altas, gordas e magras, bonitas e feias, loiras e morenas, ruivas e negras. Mulheres para todos os gostos. Travestis também. Alguns homens param junto às vitrines, sem cerimônia alguma, conversam, negociam, uns entram, outros caem fora.
– Olha aquela loira. Gostosa pra caralho.
– Escuta... É italiana. Escuta ela falando...
– Bem que podia ter uns caras também  – fala uma das meninas, a que usa um captive no nariz.
– Podia mesmo  – fala a outra.
– Cê quer, eu tiro a roupa aqui pra você  – diz o carinha de cabelos loiros.
O moreno chama a atenção dos amigos e aponta pra uma ruela.
– Acho que é por aqui. Deve ser naquela esquina  – fala, mostrando no mapa.
Chegam na tal esquina. Um barzinho meio sinistro, vazio. Entram.
– Four space cakes, please.
E o cara que atende mostra um cardápio. E explica que tem de várias gramaturas. Escolhem o de 0,3 gramas. Comem sentados numa mesa no canto do bar. Conversam.
– Porra, mas não dá barato nenhum  – fala o loiro.
– Espera, diz a menina. Demora. Não é que nem fumar.
– Ah, eu vou pedir mais um. Mais alguém afim?
As meninas dizem que não, o de cabelos pretos concorda em dividir o de um grama. É um brownie de chocolate, meio abatumado. Lambuzam os dedos com a cobertura. Antes de sair olham o bar. Chama a atenção alguns desses recipientes de vidro, que em muitos bares no Brasil costumam estar cheios de balas e pirulitos. Mas ali o conteúdo é outro. Cannabis. De várias qualidades, vários tons de verde.
Caminham pela rua que se estende entre o canal e as vitrines. Entram num pub. Pedem cerveja. Menos o loiro que diz não querer que nada interfira no efeito do bolo. Bebem, se abraçam, tiram fotos, fazem essa porra toda que a galera faz quando ta viajando. Algo meio amigos para sempre.
Já são quase meia noite quando saem do bar. A noite está ainda mais fria, mas eles nem ligam.
– Caralho, minha mão tá ficando grande  – fala o loiro.
– Tá de zoação.
– Não to não velho, minha mão ta crescendo. E a pele do meu olho também. Caraca  – e ri, sem parar.
– Que pele do olho?
– Essa aqui ó  – responde ele, levando os dedos à sobrancelha. – Tá crescendo.
– Que afudê velho, tá fazendo o efeito.
– Minha mão tá crescendo... olha só... – e mostra as mãos para os amigos.
– É a “mão do Mickey”. Normal dar isso  – fala a do piercing. – Mas em mim ainda não deu nada.
Nisso os dois caras já estão rindo sem parar. Param em frente a uma das vitrines. Sorriem para uma das garotas que está lá dentro, uma morena peituda. Do lado dela, alheia a tudo, uma outra manda sms pelo celular. A prostituta faz sinal pra eles, eles vão até lá e ela abre a porta. Conversam, voltam.
– Não entendi o que ela falava, devia ser holandês  – fala um deles, rindo.
– Holandês nada, retruca uma das meninas, elas vem de outros países pra cá. América Latina, Leste Europeu.
– E tu respondeu em brasileiro, quem não entendeu foi ela. Ela falou em inglês  – fala o outro garoto.
– Brasileiro! A gente não fala brasileiro!
– Eu falo brasileiro! Eu falo brasileiro! Eu vou comer uma puta! Eu vou comer uma puta!
– Vai comer nada, vamo pegar um táxi e voltar pro hostel. Vocês tão chapado.
– Pow lindinha, não fala assim, hoje é dia de se divertir.
– Vambora. Minha mão tá tremendo  – fala a outra menina, que estava quieta até então.
– Não tá crescendo ainda? Tipo assim, tua mão começa a ficar maior, saca? É como se os dedos fossem inchando, aumentando de tamanho, só que na verdade não aumenta.
– Aumenta ou não aumenta?
– Aumenta. Mas não assim. Faz de conta, entendeu?
– Tá dando  – fala a menina.
– Tá dando?
– Tá, parece que tá crescendo.  
E ela começa a abrir e fechar as mãos. Ri.
– Falta só ela agora  – e apontam pra menina do piercing, que está parada alguns metros atrás.
– Hey, o que houve?
– Tô paralisada. Não consigo andar.
– Caramba. O que será que deu nela?
Os dois meninos seguram ela, um de cada lado. Ajudam ela a trocar os passos. Ela ri. Bolinho do diabo. Os quatro se abraçam e caminham lado a lado.
– Eu falo brasileiro! Eu falo brasileiro! Eu vou comer uma puta! Eu vou comer uma puta!
A madrugada entra. Os quatro circulam pelas ruas do Red Light District, sem rumo. E riem pra caralho. As prostitutas seguem seu trabalho, indiferentes ao que fazem aqueles quatro malucos de algum lugar do mundo. Afinal, toda noite é assim.


Nenhum comentário:

Postar um comentário