domingo, 11 de março de 2012

DO AMOR E OUTROS DEMÔNIOS

O título não é meu, é do García Márquez. Um dos grandes escritos do mestre, mas que não fala exatamente sobre o que eu quero falar aqui hoje. Só resolvi pegá-lo emprestado pra um post que talvez ninguém leia...

O fato é que o amor, por mais instigante que seja, esconde em si alguns monstros. Eles ficam ali, comendo pelas beiradas, esperando o grande momento para agir. E não atuam necessariamente ao mesmo tempo, realizam um trabalho em equipe, cada um tem sua vez e realizam suas tarefas primorosamente. É como se um vírus invadisse o organismo de um indivíduo e o debilitasse, dando espaço para outros agirem até massacrarem o pobre corpo e o deixar sem forças.

O primeiro monstro que age é o monstro da Bobeira. Ele desenvolve no organismo infectado uma sensação de felicidade, fazendo com que se acredite que a vida é maravilhosa, que Deus existe, que o mundo é belo e que o ser humano vai salvar o planeta. Não se sabe ao certo quanto tempo leva sua ação, em alguns casos seus sintomas cessam rapidamente, em outros podem levar anos.

Um pouco depois dele um outro demônio dá as caras. É o monstro da Cessão. O corpo atingido pelo vírus do amor começa a ceder. Deixa de sair com os amigos, deixa de ir pra balada, deixa de dar aquela olhadinha quando passa por alguém interessante na rua. Nada mais importa. Só o outro. 
Aí vem um monstro filho da puta, o monstro da Cobrança. Você não me ligou. O que está acontecendo? Te fiz alguma coisa? Tô precisando tanto de você... Por que decidiu isso sem pedir a minha opinião? Quem são esses amigos que eu não conheço? E essa vagabunda que te cutucou no facebook, quem é?

Então entra em cena o monstro da Ausência. Os sintomas começam de repente. É aquela sensação de estar perdendo o outro aos poucos, começa a doer o peito, o ansiolítico não faz mais efeito e mete-se os pés pelas mãos. Antecipadamente já é possível saber que fudeu tudo. 

É nesse momento que o organismo infectado fica mais fragilizado e aí é um show de monstros tomando conta do pedaço. O monstro da Imbecilidade, o monstro do Ofuscamento-da-visão, o monstro do Rastejamento, o monstro da Humilhação, o monstro da Dor-dilacerante-que-corta-o-peito... 
O indivíduo então se despedaça, literalmente ou não. Tudo sai do eixo. A pessoa não tem fome, acorda de madrugada sem sono, não sente vontade de fazer sexo, pensa o tempo todo no outro, não desgruda o olho do celular na esperança de receber uma mensagem ou uma ligação em que a pessoa vai falar: “me desculpa, eu estava errado, sou um(a) idiota, como fui fazer isso com alguém que gosta tanto de mim? vamos voltar e ser feliz pra sempre?” Mas o diabo do celular não toca. Cuidado, pois nesse momento pode entrar em ação o monstro da Raiva e você pode destruir contra a parede o telefone móvel último modelo pelo qual você pagou uma nota. 

Depois disso entra em cena o cruel monstro da Lembrança. Tudo que se faz lembra o que se fazia quando estava junto com aquele alguém que não lhe sai da mente. É a rua por onde se passa, a comida que se come, a roupa que se veste, a cor do lençol que cobre a cama, o maldito pacote de camisinha aberto e com uma unidade que ainda não foi usada. 

E ao mesmo tempo ataca o monstro do Desespero. Esse age de diferentes formas, dependendo do tipo de organismo. Pra fugir do sofrimento tem aqueles que bebem, os que se drogam, os que fodem, os que vão pra balada e beijam a primeira boca que encontram. E outras tantas formas de auto-flagelo que beiram o masoquismo.

Para os que bebem, o grande perigo é estar com o celular por perto, porque fatalmente mandam mensagens no meio da noite dizendo coisas que vão lhe afastar ainda mais do ser amado. Para os que se drogam, sobra o corpo debilitado no dia seguinte e uma depressão cruel a corroer a mente. Para os que fodem, fica o arrependimento depois do gozo. E para os que beijam qualquer boca, fica a frustração por estar beijando uma boca que não aquela que se deseja ardentemente.

E então só resta o Tempo como antídoto. É ele que vai acabar com todos os resquícios, inclusive com o demônio da Certeza. (O que leva o indivíduo a pensar que havia encontrado sua alma gêmea, a pessoa certa, a metade da laranja. E que tudo está perdido porque nunca mais vai encontrar alguém como aquele alguém que se acabou de perder).

Mas existe o Tempo. Aquele que felizmente vai curar o mal. E cura tão bem que faz qualquer um esquecer completamente todos esses demônios cruéis. E aí o indivíduo fica novamente apto a amar outra vez. Só que os monstros continuam lá...