quinta-feira, 24 de março de 2011

A cidade que inspirou a Legião

Durante minhas férias, no último mês de fevereiro, decidi enfim cumprir meu dever cívico de cidadão brasileiro e fui conhecer Brasília. Eu confesso que a cidade nunca me atraiu a ponto de fazer uma viagem específica até lá, mas como dessa vez eu iria visitar meu irmão, que mora no oeste da Bahia, e sendo Brasília caminho para chegar lá, resolvi gastar alguns dias para conhecer a Capital Federal.

Vista parcial de Brasília
E mesmo sem nunca ter tido um grande interesse pela cidade, ao chegar lá me dei conta de que ela me era familiar até um certo ponto. Provavelmente porque, como legiãomaníaco, eu já tinha ouvido falar milhares de vezes e tentado imaginar como seriam o tal Parque da Cidade, onde Eduardo e Mônica se encontraram, ela de moto e ele de camelo; a Asa Norte onde rolavam as festas de rock que João de Santo Cristo freqüentava pra se libertar; o lote 14 na Ceilândia onde nosso herói foi morto; o eixão que um outro personagem atravessava às seis horas da tarde rezando para chegar são e salvo na casa de sua amada Noélia e a tal curva do diabo em Sobradinho, onde Johnny despedaçou seu Opala metálico azul contra um caminhão, por causa de um coração partido.

 Parque da Cidade


Essas referências musicais me vinham à cabeça freqüentemente durante o tempo em que estive lá, nos lugares por onde passava ou por causa das placas que via ao cruzar as largas avenidas da capital. E elas me ajudaram, de alguma forma, a contrabalançar o estranhamento causado pelas peculiaridades de uma cidade que tem a forma de um avião e se estende em largos espaços, tornando tudo muito distante aos olhos de alguém que está acostumado com cidades tradicionais, construídas ao longo do tempo e sem nenhum planejamento.

As largas avenidas, o eixo monumental, as asas norte e sul, as regiões administrativas (Ceilândia, Sobradinho, Águas Claras, entre outras, não são consideradas cidades e sim áreas que pertencem ao Distrito Federal e são administradas pelo mesmo governo), o lago Paranoá, os prédios tradicionais como o do Congresso Nacional, a Catedral e o Palácio do Planalto, as emas que tomam conta do Palácio da Alvorada – uma das residências oficiais do Presidente da República, a Ponte JK, os prédios idênticos onde funcionam os Ministérios, as ruas identificadas por números, entra tantas outras coisas, fazem de Brasília um lugar singular, nem igual nem parecido a nenhum outro.

Catedral de Nossa Senhora Aparecida

Por ter sido projetada, Brasília me pareceu organizada demais, estruturalmente falando. Codificada por setores, quadras e siglas, tudo de forma lógica e seqüencial, o que torna a localização fácil para quem consegue compreender porque 207 é quadra par e 102 é quadra ímpar. A explicação para essa numeração estranha é a seguinte: de um lado do eixão, via que separa o lado oeste do lado leste da cidade, estão as quadras duzentos, quatrocentos, seiscentos e oitocentos, cuja numeração começa por um número par (2, 4, 6 e 8) e de outro estão as quadras cem, trezentos, quinhentos, setecentos e novecentos, cuja numeração começa com números ímpares (1, 3, 5, 7 e 9), ou seja, a definição de quadra par ou ímpar se dá pelo primeiro algarismo e não pelo último. Isso realmente não foi difícil de compreender, o mais complicado mesmo é saber o significado das várias siglas que encabeçam os endereços locais, como SHIN (Setor de Habitações Individuais Norte) ou  SQS (Super Quadra Sul), mas para quem é de lá, poucas informações bastam para se localizar um endereço. Se alguém falar algo do tipo “Estou na 203 Norte”, qualquer habitante de Brasília consegue chegar ao tal endereço sem ter que fazer mais perguntas. Isso soa totalmente incompreensível para quem é de fora, da mesma forma como deve ser difícil para os brasilienses se localizarem em cidades malucas onde as ruas tem nome de gente.
 
Maquete do Plano Piloto

Embora eu tenha concluído que não me daria bem morando lá, conhecer Brasília foi bem interessante. E foi muito bom também rever alguns amigos que “há tempos” eu não encontrava, sempre com a minha trilha sonora preferida na cabeça.

quinta-feira, 10 de março de 2011

Um papo com os hippies de Arembepe

Eu sempre tive vontade de conhecer a famosa aldeia hippie localizada na paradisíaca praia de Arembepe, no litoral baiano. O surgimento dessa aldeia remonta aos anos 60, quando alguns adeptos do movimento hippie se estabeleceram ali, em busca do ideal de paz e amor. A vida simples, a proximidade com o mar e o contato com a natureza atraíram mais pessoas e a aldeia foi crescendo, principalmente durante os anos 70. Sua fama correu o mundo e trouxe até ali a visita de duas grandes personalidades do rock’n roll mundial: Mick Jaegger e Janis Joplin.

Encravada numa área verde em meio às dunas, tendo o mar de um lado e uma lagoa do outro., a aldeia segue preservando o velho ideal hippie de viver em contato com a natureza.

Entre casas simples, cobertas por sapê, a aldeia possui uma escola e um centro comunitário, como em outros tantos vilarejos existentes no país. Uma associação de moradores cuida dos interesses da comunidade e as crianças estudam ali mesmo e convivem com outras crianças dos arredores, na mesma escola.

Na feira de artesanato, conheci um uruguaio que vive ali há alguns anos, depois que conheceu uma nativa da aldeia, em suas andanças pelo Brasil. E foi com essa nativa que tive uma longa conversa, que se estendeu até o entardecer. Começamos o papo falando sobre o carnaval, que estava por acontecer, e ela teceu uma crítica ao que chama de um carnaval forjado para o turismo, que instituiu o axé como música local, em detrimento da música original da Bahia. Criticou o fato da música baiana ser lembrada Brasil afora por suas estrelas totalmente comerciais e lamentou o esquecimento da música afro, que segundo ela, era uma espécie de sustentáculo da cultura local.


O assunto foi se estendendo e fomos entrando em outros temas. Perguntei sobre o funcionamento da escola da comunidade e ela me falou sobre os projetos que eles desenvolvem com as crianças, em atividades extra-classe, como teatro, artesanato e capoeira. A preocupação com a cultura foi algo perceptível na conversa que tivemos. Nativa da aldeia, ela me contou que quando criança não tinha acesso a livros, pois sua mãe, uma típica riponga dos anos 70, nunca a incentivou à leitura. Esse prazer ela descobriu em suas andanças.

Foi sua vontade de conhecer o Brasil que a impulsionou a pegar a estrada e a se estabelecer em diferentes cidades, travando contato com as mais diversas culturas do país. Segundo ela, uma pessoa só conhece de fato um outro lugar que não o seu, a partir do momento em que ela se estabelece ali, entra em contato com a realidade local e convive com as pessoas daquele lugar. E foi isso que ela se propôs a fazer quando saiu da aldeia: percorrer o Brasil sem pressa, deixando-se ficar um pouco em cada lugar, sem data para partir. Uma vivência que nenhuma universidade é capaz de proporcionar.
E a gente às vezes se prende a tantas coisas, que não é capaz de perceber que existem outras formas interessantes de ver o mundo e de interagir e aprender com ele.