domingo, 19 de setembro de 2010

SER GAÚCHO






Há seis anos morando fora do Rio Grande do Sul, já perdi as contas de quantas vezes ouvi pessoas comentarem que os gaúchos são bairristas, que os gaúchos são prepotentes, que os gaúchos acham que tudo no Rio Grande é melhor. Exagerados aos olhos dos outros, os gaúchos parecem ter algo que outros povos do país não têm, para sustentar essa auto-estima desmedida.

Na realidade, antes de sair de lá, eu nunca havia pensado nesse assunto. Sempre foi tão natural, para mim, amar o Rio Grande e me orgulhar das cores da nossa bandeira. Confesso que os desfiles de 07 de setembro sempre me pareceram tão chatos e sem graça, desde os tempos em que a escola me obrigava a desfilar. Mas pelo contrário, no dia 20 de setembro, data em que se comemora a Revolução Farroupilha e o Estado se ergue em festa, eu sempre me dispunha a ver o desfile tradicionalista tomar conta das principais ruas de minha cidade. O que havia de diferente nessas duas comemorações, aos meus olhos de criança? Talvez o fato de me sentir muito mais próximo das comemorações farroupilhas, simplesmente por que cresci em meio àquelas tradições.

O que percebo hoje, tentando olhar a coisa de longe, é que realmente parecemos estranhos diante do povo de outros estados, que não têm a mesma paixão pela sua terra. Mas não são apenas os gaúchos que são assim. Baianos, pernambucanos e mineiros, por exemplo, também preservam suas raízes e se orgulham da sua história e da sua tradição.

O grande problema dos brasileiros não está nesse suposto bairrismo. O problema é que nós, brasileiros, não nos orgulhamos da nossa Pátria tanto quanto deveríamos. E a resposta a isso pode estar nas dimensões continentais do nosso país. É impossível uma unidade cultural que abranja todo o território. Apesar de todos assistirmos ao Jornal Nacional e falarmos a língua portuguesa (embora com léxico e sotaques diferentes), as diferenças culturais de norte a sul são imensas.

O mérito está, então, em celebrar essa diversidade. O Brasil é um país tão rico culturalmente, que é triste ver que em alguns pontos do país a cultura local está sendo suplantada por culturas estrangeiras. Não que não devamos ser abertos a conhecer o que não nos pertence, mas sim que devemos preservar a nossa cultura para que jamais percamos a nossa identidade.

O Rio Grande do Sul é um dos estados brasileiros que mais preserva sua cultura, cultura essa que faz parte desse “país-continente” chamado Brasil. Apesar dos gaúchos serem muito mais parecidos com argentinos e uruguaios do que com baianos ou pernambucanos, isso não os faz menos brasileiros. A explicação está na sua colonização, iniciada pelos espanhóis, e na proximidade geográfica com nuestros hermanos, fatores que muito contribuíram para a disseminação de hábitos e costumes.

O que falta, repito, não só aos gaúchos, mas a todos os brasileiros é o patriotismo. E esse patriotismo começa com o cultivo de nossas tradições. Cada povo deve fazer o que lhe cabe para perpetuar a identidade do seu pedaço de Brasil. E não lembrar de ser patriota apenas em tempos de Copa do Mundo.

Quanto ao separatismo, com certeza essa não é a opinião de todos os gaúchos, que se fossem tão bairristas e separatistas assim, não teriam saído Brasil afora, dando sua colaboração para o desenvolvimento de áreas inexploradas dessa imensa nação.

Agora, àqueles que me julgarem bairrista, peço desculpas antecipadamente, mas não posso deixar de mencionar o orgulho que sinto em ser gaúcho, ainda mais nessa época do ano em que o tradicionalismo ganha força em meio às comemorações da semana farroupilha. Gaúcho sim, mas sem deixar de ser brasileiro.




terça-feira, 14 de setembro de 2010

O que se faz em 80 anos?


Oitenta anos são 960 meses, algo em torno de 4.174 semanas, 29.220 dias ou ainda 701.280 horas. Um pouco além disso, 80 anos pode ser tempo suficiente para curtir a infância com os irmãos e primos, tempo para fazer com que alguém ande muitos quilômetros para pedir sua mão em casamento, tempo para parir e criar quatro filhos, ver esses filhos terem filhos e olhar para os netos, crescidos e barbados, e implorar a vinda de um bisneto.


Tempo para freqüentar os bancos escolares por apenas quatro meses e mesmo assim aprender o suficiente para apreciar Shakespeare ou para ensinar um neto a ler enquanto lhe acompanhava na leitura diária do jornal.


Tempo para aprender a fazer um almoço inconfundível ou doces de abóbora de lamber os beiços. Tempo para preparar chimarrão e fazer palavras cruzadas. Tempo para assistir à novela das seis e para cultivar a mania de jogar cartas sozinha em cima da cama. Tempo para costurar as roupas furadas que os netos trazem de longe e para acender uma vela para iluminá-los quando é preciso. Tempo para aprender a fumar e tempo para deixar o cigarro de lado.


Tempo para fazer amigos e viagens mesmo depois dos setenta. Tempo para saber que nunca é tarde para começar algo novo. Tempo para dores difíceis, como a de perder um filho e tempo para superar e seguir em frente. Tempo para chorar e tempo para sorrir.


Tempo mais do que suficiente para encher um neto de orgulho.


Fica registrada aqui minha homenagem aos 80 anos da Dona Cleci, minha avó.