Red Light
District, Amsterdam. 22:00 pm
A noite fria parece nâo ser problema para os turistas que
circulam pelo mais underground dos bairros da capital holandesa. Ninguém que
anda por ali parece ter algum tipo de pudor em caminhar pelas ruas repletas de
vitrines onde as putas se expõem, algumas seminuas, outras peladas por
completo. Além do mais, o que move
muitos dos que andam ali não é o desejo por alguns momentos de sexo pago, mas
sim a curiosidade acerca da mística que envolve o aquele lugar, tão falado mundo
afora. É como se as mulheres que se
expõem ali fossem como os animais nas jaulas dos zoológicos. À disposição da
curiosidade alheia.
– Putas nas vitrines. Maneiro – comenta alguém em português,
em meio àquela balbúrdia de idiomas.
É um cara de cabelos loiros, acompanhado de mais um cara e
duas meninas. Ambos na faixa dos vinte e poucos anos.
– Deve ter aquecimento lá dentro, senão elas iam congelar o
material de trabalho – responde o amigo.
Trata-se de um grupo de mochileiros, provavelmente. Olham
curiosos para as vitrines onde as putas se expõem.
– Porra! Aquela ali chega tá de perna aberta.
– Cês tão examinando tudo. Por que não entram numa casinha
dessas? – fala uma das meninas,
– Deixa quieto. A gente não veio aqui pra isso. O objetivo é
outro.
– Então vamo achar esse coffe
shop logo.
E seguem adiante, parando de quando em quando a admirar as
modelos. Baixas e altas, gordas e magras, bonitas e feias, loiras e morenas,
ruivas e negras. Mulheres para todos os gostos. Travestis também. Alguns homens
param junto às vitrines, sem cerimônia alguma, conversam, negociam, uns entram,
outros caem fora.
– Olha aquela loira. Gostosa pra caralho.
– Escuta... É italiana. Escuta ela falando...
– Bem que podia ter uns caras também – fala uma das meninas, a que usa um captive no nariz.
– Podia mesmo – fala
a outra.
– Cê quer, eu tiro a roupa aqui pra você – diz o carinha de cabelos loiros.
O moreno chama a atenção dos amigos e aponta pra uma ruela.
– Acho que é por aqui. Deve ser naquela esquina – fala, mostrando no mapa.
Chegam na tal esquina. Um barzinho meio sinistro, vazio. Entram.
– Four space
cakes, please.
E o cara que atende mostra um cardápio. E explica que tem de
várias gramaturas. Escolhem o de 0,3 gramas. Comem sentados numa mesa no canto
do bar. Conversam.
– Porra, mas não dá barato nenhum – fala o loiro.
– Espera, diz a menina. Demora. Não é que nem fumar.
– Ah, eu vou pedir mais um. Mais alguém afim?
As meninas dizem que não, o de cabelos pretos concorda em
dividir o de um grama. É um brownie de chocolate, meio abatumado. Lambuzam os
dedos com a cobertura. Antes de sair olham o bar. Chama a atenção alguns desses
recipientes de vidro, que em muitos bares no Brasil costumam estar cheios de
balas e pirulitos. Mas ali o conteúdo é outro. Cannabis. De várias qualidades, vários tons de verde.
Caminham pela rua que se estende entre o canal e as
vitrines. Entram num pub. Pedem cerveja. Menos o loiro que diz não querer que
nada interfira no efeito do bolo. Bebem, se abraçam, tiram fotos, fazem essa
porra toda que a galera faz quando ta viajando. Algo meio amigos para sempre.
Já são quase meia noite quando saem do bar. A noite está ainda
mais fria, mas eles nem ligam.
– Caralho, minha mão tá ficando grande – fala o loiro.
– Tá de zoação.
– Não to não velho, minha mão ta crescendo. E a pele do meu
olho também. Caraca – e ri, sem parar.
– Que pele do olho?
– Essa aqui ó –
responde ele, levando os dedos à sobrancelha. – Tá crescendo.
– Que afudê velho, tá fazendo o efeito.
– Minha mão tá crescendo... olha só... – e mostra as mãos
para os amigos.
– É a “mão do Mickey”. Normal dar isso – fala a do piercing. – Mas em mim ainda não
deu nada.
Nisso os dois caras já estão rindo sem parar. Param em
frente a uma das vitrines. Sorriem para uma das garotas que está lá dentro, uma
morena peituda. Do lado dela, alheia a tudo, uma outra manda sms pelo celular.
A prostituta faz sinal pra eles, eles vão até lá e ela abre a porta. Conversam,
voltam.
– Não entendi o que ela falava, devia ser holandês – fala um deles, rindo.
– Holandês nada, retruca uma das meninas, elas vem de outros
países pra cá. América Latina, Leste Europeu.
– E tu respondeu em brasileiro, quem não entendeu foi ela.
Ela falou em inglês – fala o outro
garoto.
– Brasileiro! A gente não fala brasileiro!
– Eu falo brasileiro! Eu falo brasileiro! Eu vou comer uma
puta! Eu vou comer uma puta!
– Vai comer nada, vamo pegar um táxi e voltar pro hostel.
Vocês tão chapado.
– Pow lindinha, não fala assim, hoje é dia de se divertir.
– Vambora. Minha mão tá tremendo – fala a outra menina, que estava quieta até
então.
– Não tá crescendo ainda? Tipo assim, tua mão começa a ficar
maior, saca? É como se os dedos fossem inchando, aumentando de tamanho, só que
na verdade não aumenta.
– Aumenta ou não aumenta?
– Aumenta. Mas não assim. Faz de conta, entendeu?
– Tá dando – fala a
menina.
– Tá dando?
– Tá, parece que tá crescendo.
E ela começa a abrir e fechar as mãos. Ri.
– Falta só ela agora –
e apontam pra menina do piercing, que está parada alguns metros atrás.
– Hey, o que houve?
– Tô paralisada. Não consigo andar.
– Caramba. O que será que deu nela?
Os dois meninos seguram ela, um de cada lado. Ajudam ela a
trocar os passos. Ela ri. Bolinho do diabo. Os quatro se abraçam e caminham
lado a lado.
– Eu falo brasileiro! Eu falo brasileiro! Eu vou comer uma
puta! Eu vou comer uma puta!
A madrugada entra. Os quatro circulam pelas ruas do Red
Light District, sem rumo. E riem pra caralho. As prostitutas seguem seu
trabalho, indiferentes ao que fazem aqueles quatro malucos de algum lugar do
mundo. Afinal, toda noite é assim.
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